Sigmund Freud e a psicanálise
se popularizaram de tal forma que suas idéias são, muitas vezes, veiculadas de
modo errôneo e distorcido, como tudo que passa por um processo de grande
divulgação, em especial numa sociedade de massas como a nossa.
Assim, é preciso, antes de mais
nada, esclarecer o significado dessa expressão. O que é psicanálise? Em
primeiro lugar, uma teoria que pretende explicar o funcionamento da mente
humana. Além disso, a partir dessa explicação, ela se transforma num método de
tratamento de diversos transtornos mentais.
São dois os fundamentos da
teoria psicanalítica: 1) Os processos psíquicos são em sua imensa maioria
inconscientes, a consciência não é mais do que uma fração de nossa vida
psíquica total; 2) os processos psíquicos inconscientes são dominados por
nossas tendências sexuais.
Sexo e libido
Nesse sentido, Freud buscou
explicar a vida humana (pessoal e individual, mas também pública e social)
recorrendo a essas tendências sexuais a que chamou de libido. Com esse termo, o
pai da psicanálise designou a energia sexual de maneira mais geral e
indeterminada. Assim, por exemplo, em suas primeiras manifestações, a libido
liga-se a outras funções vitais: no bebê que mama, o ato de sugar o seio
materno provoca outro prazer além do de obter alimento e esse prazer passa a
ser buscado por si mesmo.
Por isso, Freud afirma que a
boca é uma "zona erógena" e considera que o prazer provocado pelo ato
de sugar é sexual. Portanto, repare bem, a libido pode nada ter em comum com as
áreas genitais.
Posto isso, a psicanálise
compreende as grandes manifestações da psique como um conflito entre as
tendências sexuais ou libido e as fórmulas morais e limitações sociais impostas
ao indivíduo. Esses conflitos geram os sonhos, que seriam, segundo a interpretação
freudiana, as expressões deformadas ou simbólicas de desejos reprimidos. Geram
também os atos falhos ou lapsos, distrações falsamente atribuídas ao acaso, mas
que remetem ou revelam aqueles mesmos desejos.
Transferência e sublimação
A psicanálise, que se faz
através da conversação, trata as doenças mentais a partir da interpretação
desses fenômenos, levando o paciente a identificar as origens de seu problema,
o que pode ser o primeiro passo para a cura. Um dos fenômenos que ocorre
durante a terapia psicanalítica é a transferência dos sentimentos (amor ou
ódio) do paciente para o seu analista.
Outro conceito agregado à
teoria por seu próprio criador foi o de sublimação, que compreende a
transferência da libido para outros objetos de natureza não sexual, gerando
fenômenos como a arte ou a religião. Além dele, há também o conceito de
complexos, mecanismos associativos aos quais devem ser atribuídos as principais
perturbações mentais.
Vale lembrar que o conceito
"complexo" não é de Freud, mas de seu discípulo Carl G. Jung, que
depois rompeu com o mestre e criou teoria própria (a psicologia analítica). De
qualquer modo, na obra "A Interpretação dos Sonhos", de 1900, Freud
já esboçara os fundamentos do Complexo de Édipo, segundo o qual o amor do filho
pela mãe implica ciúme ou aversão ao pai.
Id, ego e superego
Em 1923, no livro "O Ego e
o Id", Freud expôs uma divisão da mente humana em três partes: 1) o ego
que se identifica à nossa consciência; 2) o superego, que seria a nossa
consciência moral, ou seja, os princípios sociais e as proibições que nos são
inculcadas nos primeiros anos de vida e que nos acompanham de forma
inconsciente a vida inteira; 3) o id, isto é, os impulsos múltiplos da libido,
dirigidos sempre para o prazer. (Os três termos alemães empregados por Freud,
em sua língua materna, eram "Ich", "Es" e
"Überich", que se traduzem também por eu, isso e supereu.)
A influência que Freud exerceu
em várias correntes da ciência, da arte e da filosofia foi enorme. Mas não se
deve deixar de dizer que muitos filósofos, psicólogos e psiquiatras fazem
sérias objeções ao modo como o pai da psicanálise e seus discípulos apresentam
seus conceitos: como realidades absolutas e não como hipóteses ou instrumentos
de explicação que podem ser ultrapassados pela evolução científica e, em alguns
casos, foram mesmo.
A depressão, por exemplo, é um
transtorno mental para cujo tratamento a psicanálise pode funcionar somente
como co-adjuvante, devido ao caráter bioquímico que está em sua origem. Além
disso, em uma de suas últimas obras "O Mal-Estar na Civilização",
publicado em 1930, Freud tenta explicar a história da humanidade como a luta
entre os instintos de vida (Eros) e os da morte (Tanatos), teoria cujo caráter
maniqueísta foi apontado por vários críticos.
A contribuição freudiana
Independentemente disso, a
importância de Sigmund Freud para a ciência é inquestionável e reside
principalmente em três pontos. Antes de mais nada, o destaque pioneiro que o
médico vienense deu ao fator sexual que era - até Freud - uma área de completa
ignorância para a ciência e a filosofia.
Além disso, vários conceitos
desenvolvidos por Freud serviram a diversos ramos da psicologia e
possibilitaram o avanço dessa ciência que é muito mais do que um simples
complemento da psiquiatria, enquanto uma especialidade médica. Isto é, a
psicologia não se limita a tratar de distúrbios, mas a tentar explicar os
processos psíquicos do ser humano.
Finalmente, o tratamento
psicanalítico de diversos transtornos mentais continua a se revelar eficaz e a
ajudar uma grande quantidade de indivíduos a ficarem em paz consigo mesmo e com
a vida. Como já se disse, a psicanálise pode ser um co-adjuvante no tratamento
de algumas doenças.
Em outros casos, ela pode se tornar a protagonista, evitando o recurso aos produtos farmacêuticos e seus inevitáveis efeitos colaterais. Pode também levar as pessoas a entenderem que os conflitos internos são inerentes ao ser humano normal, auxiliando-os a conviver com eles.