Sempre desconfio de livros que procuram simplificar excessivamente matérias complexas. Mas, afinal, temos que partir de algum lugar. Este texto procura mostrar os principais conceitos da psicanálise. De certa forma, faz o que eu desconfio. Porém, creio que a proposta é válida e atendo a um pedido de uma querida leitora do nosso site. Basicamente, vamos descrever oito dos principais conceitos da psicanálise. Quando digo principais quero dizer aqueles conceitos sem os quais fica impossível dizer o que é a psicanálise.
1) Inconsciente
O primeiro conceito tem que ser necessariamente o
inconsciente (Das Unbewusste). Freud não criou o inconsciente. Autores como
Leibniz, Von Hartmann e Schopenhauer já haviam descrito a existência do
inconsciente no sentido do que não é consciente. A diferença é que Freud define
inconsciente de uma outra maneira, não como adjetivo e sim como substantivo.
Assim, podemos imaginar o inconsciente como lugar, como um topos. Na
psicanálise, estudamos topologia. Ou seja, didaticamente podemos pensar na
psique como estando dividida em lugares. Na primeira tópica, Freud fala de
inconsciente, pré consciente e consciente. Na segunda tópica, temos os
conceitos de Ego, Id e Super ego (Ich, Es, Überich).
Inconsciente é o que nós não sabemos de nós mesmos, o que
esquecemos, o que ficou para trás e continua existindo, apesar de que possamos
não saber exatamente sobre esses conteúdos. Nesse sentido, o inconsciente é um
adjetivo, conteúdos inconscientes na psique. Porém, como disse, Freud vai além
desse sentido que já existia na filosofia e define o inconsciente também como
lugar e como modo de funcionamento distinto do funcionamento da consciência.
Temos sonhos todas as noites e não somos nós, pelo menos não
conscientemente, que os criamos. Este é talvez o exemplo mais simples pra
entender o que é o inconsciente. O Inconsciente funciona de um outro modo:
através de deslocamentos e condensações.
2) Desejo
O segundo conceito é o desejo (Wunsch). Podemos ter um
desejo claramente consciente, como querer isso ou aquilo e saber que se quer
isso ou aquilo. Mas também temos desejos que são obscuros, não por serem
intrinsecamente maus ou negativos, e sim porque deles não sabemos ou não
queremos saber. Estes desejos, que são inconscientes, estão na base da formação
dos sonhos, dos atos falhos, chistes, criações artísticas e, o mais importante
para clínica, dos sintomas.
Me lembro de um texto da Marilena Chauí no qual ela diz que
desejar é desiderare. Etimologicamente, significa deixar de considerar as
estrelas (sidera). E considerar (con-sidera) é levá-las em conta… e também do
Chico Buarque – talvez porque o Renato Mezan o cite no A Trama dos Conceitos:
“O que não tem governo nem nunca terá, o que não tem limite…”
3) Formação de compromisso
O terceiro conceito é justamente o que reúne todas as
formações (sonhos, sintomas, atos falhos) em um mesmo arcabouço teórico: o
conceito de formação de compromisso (Kompromissbildung). A grosso modo podemos
entender que uma parte da psique quer uma coisa e uma outra parte quer outra.
Por isso, até um pesadelo é uma realização de desejo. E até um sintoma, aquilo
do qual reclamamos e nos sentimos mal, sinto-mal, é também uma realização de
desejo. Para entendermos o que é uma formação de compromisso, é útil
entendermos a ideia de ato falho. Um ato falho, como por exemplo esquecer de um
compromisso, é um erro para a consciência, que talvez se justifique com uma
desculpa. Mas do ponto de vista do inconsciente é um ato bem sucedido. No
fundo, o sujeito não queria ir mesmo no compromisso, por isso se esqueceu dele.
4) Sexualidade infantil (Infantile Sexualität)
Esta é uma das teses de Freud mais chocantes para quem nunca
estudou psicanálise. Mas não é difícil de entender. Para a psicanálise, a
sexualidade é pensada de maneira ampla e não se resume ao ato sexual, nem tem
início na puberdade. Desde a infância, o sujeito vivencia o prazer em seu
corpo, nas chamadas zonas erógenas. A fixação da libido nestas zonas, além do
que seria “normal”, coaduna-se com os sintomas psicopatológicos da neurose,
psicose e perversão.
5) Complexo de Édipo (Ödipuskomplex)
O sujeito se forma a partir das identificações com outras
pessoas. Não há como negar que a família, especialmente o pai e a mãe (ou a
pessoa que assumir os seus lugares) tem especial impacto como influência. O
conceito de complexo de Édipo foi reformulado ao longo da obra do pai da
psicanálise e acompanhar as suas modificações implica em estudar o progresso e
alteração de outros conceitos.
Contudo, é bastante conhecida a ideia de que o menino tem
afetos por sua mãe e rivalidade com seu pai. Esta formulação, que acompanha em
parte o mito grego, é apenas uma das possibilidades da vivência de
identificação e rivalidade. Por exemplo, um outro menino pode se identificar
com a figura paterna e se assemelhar depois bastante com o seu pai, mas pode
igualmente ter o mesmo tipo de desejo que sua mãe, ou seja, um desejo que será
dirigido ao homem, portanto, homoafetivo.
6) Estruturas da psique
A partir das relações do Édipo (situadas por volta dos 3 a 5
anos) que a estrutura permanente da personalidade é formada, com três possíveis
resultados: neurose, psicose ou perversão. Isto significa que todos nós teremos
uma ou outra destas estruturas e, depois, não conseguimos “trocar”. E isso
também significa que a normalidade para a psicanálise não é uma questão de não
ter uma estrutura psicopática, mas sim em ter sintomas que são menos graves. A
diferença é de grau.
7) Transferência (Übertragung)
O sétimo conceito é a transferência. No processo de análise,
o sujeito que se deita no divã passa a associar livremente. A técnica consiste
em dizer tudo o que vem a mente, procurando afastar toda e qualquer
resistência. Com o processo de análise, o sujeito transfere relações anteriores
de sua vida para o analista. Assim, o analista pode ser identificado com a
figura paterna ou materna, ou qualquer outra que tenha importância em sua vida.
8) Pulsão de morte (Todestriebe)
O oitavo conceito é um pouco mais complicado de entender. No começo da psicanálise, Freud tinha ideia de que a psique buscava o prazer. O que é sentido como desprazer, então, era explicado como um conflito psíquico. Porém depois de 1920, Freud entendeu que o funcionamento último da psique vai mais além do princípio do prazer. É o que é traduzido na psicanálise lacaniana como gozo (jouissance). O exemplo paradigmático é do garoto que fica trazendo de volta a ausência de sua mãe, no jogo que ficou conhecido na psicanálise como Fort-Da. Em poucas palavras, Freud notou que existe uma tendência na psique que também busca o desprazer e a repetição do desprazer. Entretanto, nem todos os psicanalistas aceitam esta tese que faz parte da obra final dele.
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