Após um período turbulento, este ano será marcado pela continuidade na recomposição das aprendizagens e por avanços importantes em metodologias ativas e uso da tecnologia, entre outros temas.


Depois de um período desafiador para a Educação brasileira, no qual vigorou o ensino remoto, o ensino híbrido e esforços para a recomposição de aprendizagens devido à pandemia de Covid-19, 2023 promete ser um ano mais tranquilo, no qual o planejamento deve ser o foco para avançar.

 

“Hoje, podemos começar o ano letivo com mais segurança e passar isso para famílias, crianças e corpo docente. Os estudantes estão mais adaptados ao ambiente escolar, e a rotina pode ser retomada com mais tranquilidade”, afirma a professora Aline Soares, do time de autores e formadores da NOVA ESCOLA.

 

E é com essa segurança que professores e gestores podem iniciar um ano que será de continuidade, mas também de mudanças. A continuidade vem no sentido de reforçar as medidas de recomposição das aprendizagens, já que a defasagem exposta e amplificada pelos períodos de ensino remoto ainda não foi completamente neutralizada.

 

Já as mudanças dizem respeito à possibilidade de olhar adiante e trazer para a sala de aula temáticas importantes para a sociedade atual, mas que não tiveram muito espaço no cenário turbulento dos últimos anos.

 

Para Aline, o primeiro passo para as escolas avançarem é realizar avaliações diagnósticas, sejam elas formais ou não, para entender as necessidades dos alunos e planejar as ações. Roberta Duarte, professora de História dos Anos Finais do Ensino Fundamental na rede municipal de Jaboatão dos Guararapes (PE), concorda. “É primordial fazer a escuta ativa dos estudantes para compreender o que está acontecendo com eles, com a escola e com a comunidade. Isso precisa ser feito antes de a gente iniciar qualquer tipo de conversa.”

 

Depois de se apropriarem desse contexto, as escolas podem avançar em metodologias e temas específicos, que podem ajudar na aprendizagem e no desenvolvimento dos alunos. A seguir, confira sete tendências da Educação neste ano.

 

Principais tendências da Educação em 2023

1.   Recomposição das aprendizagens

O processo de recomposição das aprendizagens em função da pandemia de Covid-19 deve continuar bastante presente nas escolas públicas brasileiras neste ano de 2023. Segundo Roberta, este será o principal assunto do ano.

 

A professora diz que a defasagem deixada pelo ensino remoto emergencial “está longe de ser superada”. Por isso, é importante focar na recomposição em todas as etapas do ensino, priorizando as habilidades essenciais da Base Nacional Comum Curricular (BNCC). “Essa defasagem escolar já existia antes da pandemia, mas agora se abriu uma lacuna maior.”

 

Helena Singer, doutora em Sociologia e líder da Estratégia de Juventude para a América Latina na Ashoka, avalia que os anos de pandemia, como sempre acontece com a experiência humana, produziram, além de perdas e desafios, também muitas aprendizagens.

 

“Todos nós, adultos e crianças, aprendemos muito individual e coletivamente sobre saúde, políticas públicas, desigualdades sociais e também sobre novas formas de nos comunicarmos e nos organizarmos. O reconhecimento dessas aprendizagens também é fundamental para o planejamento deste ano letivo.”

 

2.   Metodologias ativas

Em pauta há anos, as metodologias ativas devem continuar no radar de professores e gestores no ano de 2023, acredita Aline. Para a professora, os docentes ainda precisam se apropriar de forma mais robusta desses métodos, que podem ajudar bastante na recomposição das aprendizagens, já que partem do princípio de focar em cada aluno, contemplando a diversidade de aprendizagens que há dentro das salas de aula.

 

“As metodologias ativas colocam o estudante no centro do processo. Então, se o professor usar dessas estratégias, eu acredito que a gente consiga recuperar muito mais esse processo que foi perdido nesses dois anos”, reforça a autora e formadora.

 

Para Helena, as metodologias ativas ainda precisam entrar com mais força para substituir os modelos antigos. “É uma pauta de décadas, de que a gente precisa transformar o velho modelo educacional em todos os seus aspectos, porque ele já mostrou que não dá certo. As metodologias ativas têm de ganhar mais espaço em relação às aulas expositivas.”

 

3.   Uso de tecnologias

Em 2020, por conta da pandemia de Covid-19, as escolas tiveram de utilizar mais amplamente soluções tecnológicas nas aulas. Em grande parte das escolas brasileiras, no entanto, não houve uma apropriação intencional das tecnologias nos anos subsequentes, quando o ensino presencial voltou a acontecer.

 

Os recursos digitais não passaram a fazer parte do cotidiano escolar, disponibilizando novos formatos de aula e experiências aos alunos – muitas formas de usar metodologias ativas em sala de aula, por exemplo, passam pelo uso de tecnologias.

 

“Houve um avanço grande durante a pandemia porque os professores finalmente tiveram a experiência de usar o digital do ponto de vista pedagógico. Mas, até o momento, acho que foi tímido o quanto isso foi usado como uma alavanca para que o digital de fato entrasse com mais sentido no currículo e no dia a dia da escola”, comenta Helena. Ela aponta essa transformação como uma das tendências educacionais de 2023.

 

Roberta lembra que nem todas as redes públicas de ensino brasileiras têm acesso a tecnologias, mas as que têm precisam “deixar um pouco de lado essa questão dos métodos mais tradicionais e realmente usar a tecnologia de forma intencional em sala de aula”.

 

Para a professora, é necessário que redes de ensino, equipes gestoras das escolas e docentes se unam para colocar mais as tecnologias em prática dentro das salas de aula. “Fica o convite para este ano a gente realmente pensar sobre como utilizar essas ferramentas. Esse é um universo no qual os alunos já estão imersos, como em jogos e redes sociais, então precisamos usar esses recursos.”

 

4.   Competências socioemocionais

Assim como a defasagem no ensino, outro tema que já era debatido mas foi ainda mais evidenciado durante a pandemia de Covid-19 foram as competências socioemocionais. “Os estudantes voltaram para o ensino presencial com algumas necessidades socioemocionais bastante latentes, e a gente precisa realmente escutar e trazer essas temáticas para a sala de aula”, destaca Roberta.

 

Presentes na BNCC e necessárias em qualquer etapa do ensino, as competências socioemocionais são pauta do universo da Educação há alguns anos, mas ainda não são completamente incorporadas pelos professores. De acordo com Roberta, o tema tem bastante potencial de ser amplamente desenvolvido em 2023.

 

A professora relata que ainda há uma defasagem na formação dos docentes sobre o tema, o que dificulta sua aplicação na prática. “Nós, professores, temos o papel de, para além do conteúdo das nossas disciplinas, trazer esse tipo de discussão em sala de aula. Mas eu sinto falta de uma orientação”, aponta.

 

5.   Direitos humanos e diversidade

 

Entre tendências, estão pautas como combate ao racismo, homofobia e desigualdade de gênero.

 

Para além de metodologias e ferramentas a serem usadas em sala de aula, alguns temas interdisciplinares também estarão em alta em 2023. Um deles está relacionado aos direitos humanos e à diversidade.

 

Em diversas etapas do ensino e em todos os componentes curriculares, é possível abordar pautas como racismo, homofobia, desigualdade de gênero, bullying e inclusão. Na própria BNCC, algumas competências e habilidades tratam da questão da diversidade e da história e cultura afro-brasileira, por exemplo.

 

“Acentua-se, principalmente entre as novas gerações, a valorização da diversidade. Isso obriga as escolas a refletir, problematizar e colocar essas questões no contexto escolar, enfrentando inclusive resistência dos pais e dos próprios professores”, ressalta Helena.

 

Roberta afirma que um bom ponto de partida é os professores se atentarem ao cotidiano dos estudantes e à realidade de cada escola, usando temas do interesse dos alunos para abordar a temática dos direitos humanos. Dessa forma, fica mais fácil conectar o assunto às habilidades trabalhadas em sala de aula.

 

6.   Educação midiática

Relacionada, sobretudo, ao uso das tecnologias, a educação midiática pode ser desenvolvida com alunos de todas as etapas de ensino e a partir de qualquer componente curricular. O conceito se refere ao conjunto de habilidades para acessar, analisar, criar e participar de maneira crítica do ambiente informacional e midiático, do impresso ao digital.

 

Em 2023, o tema deve continuar em alta entre educadores brasileiros, que têm o desafio de ampliar a discussão. Mais uma vez, trazer o assunto a partir do ponto de vista dos próprios estudantes é uma boa estratégia. “Por mais que a escola não tenha acesso à tecnologia, os alunos têm acesso às redes sociais, de modo geral”, diz Roberta. “E é importante que eles possam desenvolver um senso mais crítico com relação a isso”, completa.

 

Exemplo prático de letramento midiático

Professora de História, Roberta trabalhou a educação midiática com suas turmas do 9º ano em 2022. Partindo do tema das eleições presidenciais, a educadora falou sobre fake news, estimulando os alunos a refletir sobre como essas mentiras se comportaram ao longo da história.

 

Aproveitando os temas que já seriam tratados nas aulas, como a Política do Café com Leite e a Era Vargas, a professora incentivou os estudantes a traçar paralelos com a atualidade abordando a questão da manipulação política. “As últimas eleições apontam para um futuro da disputa pelas redes sociais, com discursos digitais, memes e fake news. Sabemos que isso veio para ficar, então temos de pensar em como utilizar esse cenário para desenvolver o olhar crítico e reflexivo por parte dos alunos.”

 

Além do exemplo de Roberta, a educação midiática também inclui conteúdos virais, memes, propagandas, jogos e qualquer discurso digital ou relacionado às mídias que pode ser levado para a sala de aula.

 

7.   Meio ambiente e sustentabilidade

Outro assunto interdisciplinar ao qual os professores devem se dedicar em 2023 é a temática ligada ao meio ambiente e à sustentabilidade. Cada vez mais discutido, o tema já aparece em salas de aula de todo o Brasil, mas precisa estar inserido em todos os componentes curriculares. “As novas gerações são protagonistas dessa mobilização em relação às questões climáticas”, salienta Helena.

 

Desde a Educação Infantil até o Ensino Médio, é possível abordar questões ligadas ao meio ambiente e à sustentabilidade. Isso pode ser feito de forma simples, como utilizando a separação do lixo, até de maneiras mais complexas, explorando temas geopolíticos e discussões atuais.

 

Projetos interdisciplinares podem ser construídos junto com a gestão das escolas e partir de um cenário micro para alcançar discussões e reflexões macro, que envolvam temas mais amplos ligados ao assunto.

 

“Em uma das escolas em que eu dou aula, tudo alaga quando há chuvas torrenciais. No ano passado, a escola ficou dois meses sem funcionar por questão de alagamento e lixo”, relata Roberta. São exemplos como esse que podem ser levados para a sala de aula, aproximando o entorno dos estudantes e as demandas da comunidade.


Fonte: https://novaescola.org.br/