O ano de 2023 se inicia com uma nova gestão do governo
federal e a reestruturação do Ministério da Educação (MEC), agora sob o comando
do ex-governador do Ceará Camilo Santana. “A palavra do ano é reconstrução, com
retomada das alianças e dos debates com diversos setores da sociedade civil em
prol de projetos educacionais, algo não visto na gestão anterior”, analisa a
professora da Universidade de Brasília (UnB) e coordenadora do Comitê DF da
Campanha Nacional pelo Direito à Educação, Catarina de Almeida Santos.
A seguir, confira sete temas que, segundo especialistas,
darão a tônica no campo da educação nos próximos 12 meses.
1) Defasagem e evasão escolar agravadas pela pandemia
Os índices de não aprendizagem e de evasão escolar são
problemas que já existiam e foram agravados pela pandemia. Eles seguem como
herança em 2023. “A questão é se perguntar sobre as barreiras e as causas. A
resposta é que esses problemas são atravessados por questões sociais
complexas”, explica Santos.
“Os alunos atingidos vêm de famílias de baixa escolaridade e
que perderam renda na pandemia. Vivem com condições domiciliares e materiais
inadequadas para a aprendizagem, como falta de tecnologia, mobília, espaço e
segurança alimentar. Estão em empregos precários para sustentar a família ou em
trabalhos domiciliares, como cuidando de irmãos menores. O problema é que, sem
remover essas barreiras, não conseguiremos fazer com que voltem à escola ou
melhorem o desempenho”, avalia.
Além do fortalecimento da busca ativa escolar contra a
evasão, será necessário um trabalho conjunto entre as secretarias de educação
de estados e municípios com equipamentos de saúde e de bem-estar social.
“É importante, ainda, rever o financiamento da educação
pública e a criação de um novo Plano Nacional de Educação (PNE) que trace um
rumo para os próximos anos. Se há defasagem de aprendizagem e alunos retornando
à escola em páginas diferentes, é necessário um trabalho individualizado do
professor com cada estudante. Isso não ocorrerá com classes superlotadas,
docentes sobrecarregados e com contratos temporários”, alerta Santos.
2) Retomada da gestão democrática da educação brasileira
A Conferência Nacional de Educação (Conae) acontece a cada
quatro anos e representa um espaço aberto no qual o poder público e a sociedade
civil discutem os rumos da educação. Ela é organizada pelo Fórum Nacional de
Educação (FNE), que é composto por 44 representantes de diferentes setores da
sociedade civil.
“Apesar de não terem sido extinguidos, Conae e FNE perderam
seu caráter democrático e foram descaracterizados desde 2016, abrigando apenas
grupos da sociedade civil alinhados ao governo. Com isso, não houve diversidade
de pensamento e um debate crítico”, explica Santos. Por esse motivo, as
entidades acadêmicas e sindicais que foram excluídas criaram paralelamente a
Conferência Nacional Popular de Educação (Conape) e o Fórum Nacional Popular de
Educação.
Para a pesquisadora, deve-se retomar o caráter plural da
Conae e do Fórum para convocar conferências locais e iniciar o debate do
próximo PNE – o atual vence em 2024.
“Esses espaços de gestão democrática são importantes pois
tivemos primeiro a Emenda Constitucional 96 [Lei do Teto dos Gastos, em 2016]
que brecou o investimento da educação e as metas do PNE. Na sequência, passamos
os últimos quatro anos com um apagão de dados confiáveis sobre a situação da
educação do país”, contextualiza. “Esses espaços de diálogo ajudarão a
compreender qual o cenário real e o que precisará ser realizado para minimizar
as desigualdades”, conclui.
3) Plano Nacional de Educação (PNE)
Instituído pela Lei nº 13.005/2014, o PNE para 2014-2024
expira no final de 2023, fazendo com que o debate para as metas do próximo
decênio seja urgente. Membro e relator da equipe de transição do governo
federal no campo da educação, Binho Marques vê intenção do MEC em fazer a
discussão sobre o novo PNE avançar na sociedade civil e no Congresso.
“Este debate aconteceu no grupo de transição do governo, com
todos os envolvidos relatando a importância de priorizar o PNE. Penso que o
ministro Camilo Santana fará um balanço do atual PNE sobre as metas não
alcançadas e repactuará com estados e municípios alguns temas urgentes para, na
sequência, promover os debates e discussões sobre o novo plano”, avalia.
“Além disso, o PNE tem uma urgência maior, até porque
precisará lidar com os impactos da pandemia da covid-19 na educação”,
acrescenta. Para Marques, as discussões devem focar em um novo plano que tenha
qualidade, habilidade em lidar com as dificuldades históricas do Brasil no
campo da educação e legitimidade.
“Não adianta fazer um PNE estratosférico, apoiado apenas no
plano das ideias, mas que desconsidere a realidade do orçamento e a capacidade
financeira do país. Muitas metas fracassam por conta disso”, opina.
Além disso, ele também destaca a importância de haver fóruns
participativos e com diferentes membros da sociedade civil para o PNE ser
realmente eficiente. “Isso é fundamental para garantir legitimidade ao plano do
novo decênio”, finaliza.
4) Fim do Programa Nacional das Escolas Cívico-Militares
(Pecim)
Herança do governo Bolsonaro, o Programa Nacional das
Escolas Cívico-Militares (Pecim) foi uma parceria entre MEC e Ministério da
Defesa e incentivava escolas públicas a estabelecerem convênios com as
secretarias de segurança pública, que passavam a administrá-las. A adesão pelos
estados e municípios era voluntária e o processo foi supervisionado pela então
recém-criada Subsecretaria de Fomento às Escolas Cívico-militares.
Em 2023, é esperada a revogação do Pecim e da subsecretaria,
com estados e municípios assumindo a organização das suas escolas
militarizadas. Santos, porém, explica que a revogação de ambos não implicará na
desmilitarização de escolas que aderiram ao programa. “Essa política não
iniciou na gestão Bolsonaro, que apenas pegou carona nela. A militarização não
tem cor ou bandeira partidária e está ligada ao discurso conservador. Ela
aconteceu em governos de diferentes partidos e que estão hoje na base aliada do
governo. Por isso, não creio que será uma pauta que a nova gestão do governo
federal tocará”, acredita a educadora.
Porém, para a professora, haverá debate em sociedade sobre
porque a polícia não é necessária dentro das escolas. “A escola militar não
entrega bons resultados por ser militar, mas porque escolhe quem entra e tem
melhor orçamento, enquanto as demais ficam abandonadas. No termo de cooperação
do governo da Bahia com o Pecim, por exemplo, um dos artigos dizia que era
vetada distorção idade-série, educação de jovens adultos (EJA) e inclusão. Ou
seja, não recebem o aluno real da escola pública que precisa ser formado e,
justamente por isso, apresentam bons resultados”, reforça Santos.
“Outro ponto é que é mais difícil desprivatizar ou
desmilitarizar uma escola que já passou por esse processo. Assim, para 2023, é
necessário evitar que novas escolas sigam o mesmo caminho”, acrescenta.
Leia também: Lógica das escolas militarizadas vai na
contramão de países referência em educação, analisa pesquisadora
5) Polarização e violência política nas escolas
A polarização política que atravessa atualmente a sociedade
brasileira também respinga nas redes públicas de ensino. Segundo Santos, o tema
precisará ser olhado porque anda de mãos dadas com o conservadorismo e com
ações que impedem as escolas de trabalharem com os alunos temas de reflexão e
crítica social.
“Tenta-se barrar a diversidade de pensamento, com a
exigência de currículos higienizados para que não sejam debatidos temas
dissonantes, como racismo, lgbtqiafobia, misogina, etc. É uma lógica similar à
da ‘Escola Sem Partido’ e busca impedir as escolas de serem escolas, ou seja,
de fazerem seu papel constitucional de formar para a cidadania”, pontua. “Se
você deixa de debater essas violências e dores sociais, permite que a barbárie
continue instituída”, enfatiza.
Segundo a docente, são esperadas para 2023 tentativas de
censura e intimidação de professores vistas nos últimos anos. “Assim como a
tentativa de propor currículos que sejam desenhados sem a participação dos
docentes”, alerta.
6) Impactos negativos da reforma do ensino médio
A implantação do novo ensino médio tem provocado
precarização na formação dos secundaristas e do trabalho docente, como apontou
a carta do Movimento Nacional em Defesa do Ensino Médio (MNDEM) ao grupo de
trabalho de educação da equipe de transição de governo, em dezembro de 2022.
As informações foram baseadas em pesquisas realizadas em
nove estados de todas as regiões do país por integrantes da Rede Nacional
EMPesquisa. Segundo o documento, a nova organização curricular fez professores
enfrentarem dificuldades em garantir sua jornada de trabalho em uma mesma
escola.
“Seja para se manter lecionando na disciplina para a qual
foram formados e que sofreu redução de carga horária em virtude da reforma,
seja por terem que assumir vários componentes curriculares distintos, eles se
veem obrigados a lecionar em duas, três ou mais escolas para completar sua
jornada de trabalho semanal”, relata o documento.
A redução ou retirada de carga horária de sociologia,
filosofia, educação física e artes obrigou docentes a assumirem aulas não
relacionadas à sua formação inicial. Já os estudantes apontaram não terem o
direito real de escolherem itinerários formativos ou disciplinas eletivas, com
redes sem estruturas para disponibilizar todas as opções.
Em dois estados, disciplinas eletivas foram disponibilizadas
via EAD e de forma assíncrona, causando desmotivação e evasão escolar. Outro
ponto foi a falta de acesso à internet e tecnologia, que comprometeu o acesso
às aulas remotas.
“Os dados já mostram o impacto prejudicial da reforma que
precisaria ser analisada em 2023. A pergunta crucial nesse momento é se o MEC
ouvirá as evidências trazidas pelas entidades científicas e acadêmicas”,
questiona a coordenadora do MNDEM, Monica Ribeiro.
7) Orçamento para a educação
Segundo o especialista em financiamento da educação e
professor da Universidade de São Paulo de Ribeirão Preto (USP-RP) José Marcelino
de Rezende Pinto, o orçamento de 2023 coloca em risco a educação pública.